O que fazemos?

Moldura do Retrato Fotográfico Tamanho Natural de Santos Dumont, Acervo do Museu Paulista da USP (53)
Perigosamente nos entregamos a distrações que nos fazem perder a real sensação daquilo que é entregue. Deixamos de absorver a essência do objeto por atendermos a molduras que não fazem parte daquela matriz.

Há uma passagem em “O Cão dos Bakersville”, onde Sherlock pede para que Watson preste atenção ao centro do retrato que havia na parede, abstraindo-se de detalhes triviais como cabelos e demais adereços que poderiam desvirtuar o que realmente importava.

É curiosa essa passagem. Isso me marcou profundamente. Na verdade, cada livro que leio, por mais banal que seja seu enredo, sempre há algum aprendizado, algo marcante que levo para minhas experiências de vida. E aqui eu venho propor uma reflexão acerca do que há algum tempo acontece com a música.

Por que eu deveria gravar um álbum com demasiada qualidade que não estivesse atrelada à composição e/ou interpretação? Notadamente, para apresentar um trabalho distinto para o público-alvo. No entanto, eu gostaria de filosofar contigo, leitor, acerca do seguinte pensamento: Se a minha obrigação, como músico, é criar música e interpretá-la, por que eu deveria me ater a atribuições que não me competem, como a famigerada “produção”? Ainda, por que você, como ouvinte, se atenta mais a adereços no trabalho de um artista do que o próprio objeto do trabalho?

Já não é novidade para ninguém que muitos resenhistas caíram no conto dos produtores. Escrever sobre um álbum de uma banda que simplesmente gravou seu material e busca difundi-lo, sem qualquer vínculo com uma produção rebuscada, é uma tarefa que muitas vezes pode ser ingrata.

Vamos fazer um paralelo? Imagine um excelente pintor sem possuir todas as matizes para fazer o seu trabalho. Ele seria um mau pintor por não possuir todas as cores à sua disposição? E um ator? Se ele não pudesse envergar os trajes adequados, seria um ator ruim?

Eu poderia me estender para mais exemplos, mas ficaria demasiado cansativo. O que quero dizer é que parece não importar se o produto em si presta ou não, mas sim a sua embalagem. Isso chegou a um tamanho absurdo, onde alguns daqueles que são os responsáveis por criar o produto, angariam respeitabilidade antes mesmo de criar o primeiro produto. Olhando pelo viés artístico, isso é extremamente bizarro. E por quê?

Vamos a mais um exemplo.

Agora temos o artista A e o artista B. O artista A é uma pessoa que possui uma boa qualidade musical, mas nada fora de série. Até possui algumas músicas boas, mas não consegue passar uma experiência completa ao público. Este artista tem um poderoso “Network”, conseguido graças a laços familiares, além de um fator financeiro impulsionador. O artista B, por sua vez, é o típico cara que escuta sempre que “está pronto”, que possui músicas envolventes, cativa o público, mas carece de “boas relações com pessoas importantes”, além de ter que se virar para conseguir simplesmente gravar seu trabalho.

Ambos lançam seus materiais no mesmo mês. Adivinhe qual artista terá um “trabalho mais bem-feito”?

Não responda! Apenas reflexione, porque todos os dias um ouvinte critica impiedosamente um artista que só busca atingir pessoas que venham a somar com o seu trabalho. Nós, como ouvintes e críticos ao mesmo tempo, precisamos nos ater ao que realmente importa e não a adereços que competem a outros. Se a Mix de um álbum, uma capa, ou qualquer outro adereço não lhe agrada, procure saber mais acerca daquele artista antes de lançar a mão da marreta.

Dentro do Rock/Heavy Metal, apesar de muitos percorrerem por argumentos acerca de riffs, melodias vocais e ritmos, na verdade estão mais interessados no que o “Mix-Man” faz, do que o próprio trabalho criado pelo artista.

Pense na fila de artistas que sequer chegaram a expandir seus trabalhos, por simplesmente não ter um aparato por trás para fazer com que aquela sua música fosse algo bem produzido para o nosso ouvido. Pense.


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