Na Esquina. Por que Canecutters?
São Gonçalo tem uma história de excelentes músicos. Muitos deles tiveram de se travestir de outros gentílicos para galgar outros patamares. Aqui vem a minha impressão a respeito do trabalho “Na Esquina”, desta excepcional banda.
Começo pedindo que não encarem isso como uma resenha. Definitivamente não gosto dessa figuração em meus textos. Resenhar álbuns é um ofício para aqueles que designam referências estritamente musicais. Não gosto de apontar para o trabalho de uma nova banda e dizer que se assemelha a trabalhos de Fulanos, Beltranos e Ciclanos. E se isso faz parte de resenhar, prefiro me abster.
Canecutters é uma banda com quatro samangos apelões. Para quem escutar o trabalho, pode chegar a dizer que há exagero nas minhas palavras. Mas basta conhecê-los ao vivo para entender o que falo.
Na bateria, Rafael Alfradique. Um homem com um controle dinâmico que beira ao surreal. Entrega aquilo que a música propõe, como um cabeça-de-área no meio de campo que faz o trabalho de desarme e libera o jogo para o volante.
No baixo, Jëy Douglas. O cara que dirige tanto um barco em mar alto, quando pilota uma moto de alta cilindrada como se fosse um brinquedo de criança. Peguem a analogia.
Na guitarra, Valcir Júnior. A personificação da guitarra paciente. Toca com uma resiliência que faria Buda invejar.
E nos vocais, Jhoannes Cardoso. Na minha opinião, simplesmente o vocalista mais competente desta minha cidade. Falo isso sempre e para qualquer um.
Na Esquina mostra aquilo que eu já havia percebido da banda ao vivo. Há um costume de chamar Canecutters de Blues Band e eu sempre considerei isso um erro. Porque a banda dança por gêneros com uma segurança peculiar, aumentando ou diminuindo a dinâmica para entregar um espetáculo de acordo com a sensação do momento. É como se lessem a mente dos espectadores.
Boneca de Trapo abre os trabalhos. Pesada, enérgica, com rimas que te fazem acelerar e frear e um mantra harmonioso com patadas certeiras. A parte rítmica parece trabalhar junto com a melodia sinuosa, como pilotar um F1 na volta de aquecimento dos pneus.
Se você não é um fumante, provavelmente vai sentir cheiro de cigarro quando começar Cachorro Velho. Por algum motivo, das três vezes sucessivas que escutei o álbum, acendi um cigarro assim que começou esta faixa. A música te leva para um porão, onde a estrutura de madeira e aquele cheiro de cigarro e álcool inebriam o ambiente. A gaita parece conversar com Jhoannes a cada entrada.
A faixa título, Na Esquina, traz um clima de tensão na harmonia, algo sinistro, luxurioso. A variação de timbres vocais utilizada, junto com a dança entre baixo e guitarra, faz um clima sexual pairar no som.
Mas logo você entrará no lamento que Madman parece propor. Diria um Soul - os mais novos podem dizer New R&B? - trazendo aquela cadência característica, compassada, triste, fácil de perceber a lamúria.
O clima já muda completamente em Janela Gigante. Mais uma vez, Jhoannes desfila por timbres e tonalidades, dançando sem preocupação. Diriam que a canção lembra um MPB, prefiro me abster. É o momento de levar o ouvinte ao “Até Logo”.
E esse “Até Logo” fica a cargo de Mandala Blues. Mais variações técnicas na voz, mais educação das cordas e bateria. As marcas propostas por Victor, Jëy e Rafael, as subidas e entregas se despedem do ouvinte com uma sensação de que logo voltarão.
Quando escutei o álbum, fiz primeiro num equipamento limitado. Logo me propus a escutar num equipamento melhor. Mas parecia faltar algo, uma referência visual. Foi só então que tive a ideia de passar o álbum todo enquanto encarava a capa. Façam isso! Terão uma experiência completamente diferente. Toda a experiência visual está entregue ali, naquela capa.
Por que Canecutters? Porque você vai de 0 a 100 e volta a 0 e volta a 100.
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Caraca. Desenhou o album inteiro. Parabéns pelo trabalho
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