Cães, gatos e ratos.
Estava agora há pouco diante da velha folha de papel e a caneta preta, prestes a escrever a última música que passará pelo filtro dos colegas de trabalho, de modo a ingressar no álbum. Mas estou literalmente cansado.
Eu tenho uma relação distinta com álbuns. Não sei se isso é via de regra, mas álbuns não são como livros para mim. Os livros conversam comigo toda vez que eu os procuro novamente. Os álbuns são como uma velha – ou nova – paixão que busca me seduzir com aquelas primeiras sensações que tive quando os encontrei pela primeira vez. Estranho pensar assim, ambos estáticos, sensações diferentes.
Talvez esse segundo álbum me tire um sorriso lá na frente. No momento, ele é um moleque complicado. Um garoto frágil, onde seus pais precisam correr para cima e para baixo em busca de manter a sua saúde. Esses pais, na correria para fazer a criança crescer, ainda precisam escutar de “velhos pais de família” que precisam fazer isso ou aquilo para o moleque não desandar. Para piorar a situação, esse garotinho banca o rebelde. Ele esperneia, bate pé, muda a trajetória enquanto seus pais simplesmente precisam correr e suar para mantê-lo saudável. É um moleque difícil, diferente dos seus irmãos.
Seus irmãos, também de saúde débil, são mais comportados. Não é difícil escutar dos “velhos pais de família” algo bem deles, embora um deles tenha sofrido bastante no início. Quando você precisa correr atrás do arroz com feijão para as crianças, muita coisa dita por aí acaba te revoltando.
O esgoto.
A verdade é que eu estou cansado de muita coisa, cansado destes “velhos pais de família” e suas imposições estúpidas. Nós somos meros ratos atrás de migalhas jogados por cães que coordenam gatos. Há muitos ratos aqui, muitos mesmo. Alguns ratos são gatos disfarçados, simplesmente para manter os ratos brigando por migalhas. Os cães riem de toda esta “bagunça organizada”, do alto de suas casas.
Eu vejo gatos e suas câmeras profissionais, com seus canais de Youtube, entrevistando outros gatos fantasiados de ratos. E esses gatos fantasiados têm a audácia de dizer: “Aqui, na nossa rua, todos somos unidos! Aqui não tem briga entre cães, gatos e ratos! Aqui temos mais união!”
Eu não vejo os ratos serem entrevistados pelos gatos, porque ratos podem falar demais. Os cães ditam as ordens, jogam as migalhas e os gatos brincam com os ratos, seduzindo-os com uma espécie de mentirinha de filme CGI, onde animais brincam harmoniosamente como se as diferenças fossem deixadas de lado.
Há ratos muito bons aqui embaixo, na parte mais escura do esgoto. Eles fazem coisas maravilhosas, mas eles não conhecem nenhum gato, não possuem afinidade. Alguns já se suicidaram, entregaram suas vidas para ratazanas de outros esgotos, que famintas, usufruem de todo o potencial desses ratos bons e os tratam como “meras peças substituíveis”.
Mas há aqui ratos muito vagabundos, ratos que alimentam todo este circo dos cães. Esses ratos são perigosos, encostam, aproximam-se, contam “alguma verdade” à luz do que eles entendem – geralmente nada muito válido – e no fim, correm ao menor sinal de migalhas de pão lançadas pelos cães. Ainda há ratos de outro esgotos, que puxam o pedaço de carniça junto contigo até a curva. Dali pra frente ele cansa rápido e, no dia seguinte, diz não te conhecer mais.
Nos últimos dias, assistimos um festival pela TV. Era engraçado ver como os gatos se atrapalhavam em seus números com a fantasia de ratos. Parece aqueles programas como Os Três Patetas. Nada é mais engraçado e revoltante ao mesmo tempo do que ver os gatos procurando falar como ratos. E eles dizem coisas como: “É isso aí! Com muito trabalho, você sai daí do esgoto! Faz o seu! Não tem isso ou aquilo!”
Mas esses gatos esquecem dos registros. Eles sempre foram gatos, sempre estiveram nos metiês e se misturaram com outros ratos, simplesmente para se mostrar como ratos. Alguns ratos ostentam seus troféus por conseguirem estar entre gatos e sinceramente? Não os julgo. Porque a verdadeira busca aqui no esgoto é procurar um gato na superfície que te tire dessa merda. Não há outra alternativa.
Enfim, eu estou cansado.
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